sábado, 17 de junho de 2017

High Sierra (1941) e Colorado Territory (1949), de Raoul Walsh

Um exercício curioso, o de ver estes dois filmes, um após outro, por ordem cronológica. São o mesmo filme à distância de oito anos. Em High Sierra o filme convencional transborda para a ambiguidade das personagens, o que parece já não acontecer em Colorado Territory. Aqui não existe ingenuidade possível nem espaço para o amor, ainda que fugaz. Colorado Territory é a terra de Colorado, a protagonista feminina do filme (se é que se pode ultrapassar a profunda misoginia de ambos): uma terra hostil, exótica, implacável e generosa. A renúncia final ao bem supremo (ao jeito Bonnie and Clyde) seria pouco plausível, não fosse a necessidade de equilíbrios morais, mas e curioso como a distância dos anos inverteu os papeis: a mulher anjo passa a femme fatal e a mulher demónio a mulher anjo. E se o western domesticou a violência (quiçá esta a razão para a proliferação do género), a morte banaliza-se em 1949, talvez por esses 8 anos que foram toda uma vida.

High Sierra (1941)

Colorado Territory (1949)

domingo, 2 de abril de 2017

Zabriskie Point (1970), M. Antonioni

É mesmo uma estrada infinita, o tiro de salva de canhão do movimento libertário dos anos 60. Não diria que em números redondos acaba em 70, mas está bastante próximo. Como tantos paraísos (Julles et Jim?) acabam num banho de sangue, o caminho de um mundo só de amor e fusão telúrica na unidade essencial com o universo acaba numa estrada infinita. E houve quem a percorresse e quem preferisse perecer. Mark, o próprio e o actor, são como essas flores pessoanas que nascem para morrer no mesmo dia, demasiado esplendorosas
para o calvário do envelhecimento e da morte do ideal.
Daria, bondosa, nasceu para o amor e a alegria e só isso a mantém. Não consegue, por isso, recordar Mark a não ser com alegria mesmo que já não esteja entre nós. Como se não bastasse, a atribulada viagem de um só dia que empreende acaba numa casa incrustada nas montanhas, como que uma violação da natureza.
E sim, como diz o tema final: "there will be allways a Zabriskie Point anywhere". Sim, haverá, fora o que morreu para semple na grande explosão.

domingo, 19 de março de 2017

They live, John Carpenter, (1988)




They live é um filme sobre a visão. Existem os que vêem, os que não vêem e os que não vêem mas vêem. Mas foi preciso que um dos antagonistas quase matasse de pancada o outro para o fazer envergar os óculos de sol milagrosos, que vêm as coisas por dentro, como a Blimunda de Saramago. De resto, quão especiais são estes agraciados que vêem e porque o são? Ninguém sabe. Mas são tão violentos como os seus comparsas condenados à escuridão – matam segundo os seus critérios os não escolhidos. Assim fugimos ao lugar comum que “They Live” é mais um filme sobre guerra fria na sua recta final ou sobre a sociedade de manipulação. É um filme sobre graça.